quarta-feira, 11 de novembro de 2009

O cego e o livro do cego - Capítulo 2...

Na segunda e terça passada acompanhei com interesse o III Congresso de Autor e Interesse Público, promovido em São Paulo pela Universidade Federal de Santa Catarina e pelo Ministério da Cultura, como parte do Fórum Nacional de Direito Autoral.

Acompanho esse fórum desde 2008, com o objetivo principal de verificar como deixar claro para as editoras e detentores de direitos autorais, principalmente de obras escritas, que o cego tem o direito de receber a obra em formato acessível, seja em Braille ou em qualquer outro formato que permita o acesso à mesma.

Essa necessidade de se estabelecer um compromisso entre dois direitos fundamentais previstos em nossa Constituição, a saber: 1) o direito do Autor à exploração de sua Obra e aos direitos autorais e 2) o direito de acesso à Cultura, é algo que afeta de maneira peculiar e muito fortemente à população (pequena, ínfima mesmo...) de cegos que procuram livros para ler. Hoje em dia, devido à evolução da tecnologia, a obra escrita em geral não precisa mais ser impressa em formato Braille para que possa ser acessível ao deficiente visual. Se a obra for disponibilizada, por exemplo, em formato texto (é isso mesmo, o famoso .txt que até o notepad do windows lê...), pode ser lida por um programa de sintetização de voz, como por exemplo o pacote Dosvox (gratuito, desenvolvido e distribuído pela Internet pela UFRJ e que é uma das ferramentas mais bem adaptadas ao universo do cego que eu conheço no mundo inteiro! – vejam em http://intervox.nce.ufrj.br/dosvox/ ). Só que as editoras, autores e demais envolvidos na cadeia produtiva da cultura escrita, muitas vezes alegam que a lei não está devidamente escrita e que não diz claramente que eles devem fornecer o livro em formato digital. É lógico que não estou advogando que eles passem a distribuir o texto livremente por aí para ele ir parar na Internet, ser pirateado, etc. Mas sempre que preciso de um livro do exterior (geralmente da Inglaterra, pois a minha filha faz Cultura Inglesa...), eles me enviam o link para fazer o download do mesmo em formato digital junto com uma declaração que nós assinamos, dizendo que vamos utilizar aquele arquivo apenas para gerar impressão em Braille ou utilização de sintetizador de voz pelo cego, no seu âmbito privado. Não poderíamos ser assim, simples?

A Lei de Direitos Autorais, em seu Artigo 46, nos diz o textualmente:

“Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:

I - a reprodução:
...

d) de obras literárias, artísticas ou científicas, para uso exclusivo de deficientes visuais, sempre que a reprodução, sem fins comerciais, seja feita mediante o sistema Braille ou outro procedimento em qualquer suporte para esses destinatários;...”

Gente, eu acho que o que está acima, desde que assumido por escrito pela pessoa que está pedindo o arquivo, já seria suficiente para que qualquer um enviasse o texto digital para o pai de uma pessoa que é cega e quer ter acesso a essa obra. Porém, me parece que cego é uma população tão negligenciada em nossa sociedade (e não é só na brasileira não...), pois não dá dinheiro e não dá voto prá político, que ninguém se importa com o direito à cultura que supostamente ele tem....

Mas eu estava falando do Congresso. Pois com a maior das boas intenções o Ministério da Cultura e os juristas que estão promovendo uma discussão da LDA com vistas a uma revisão e modernização da mesma (o que reputo como sendo um ótimo e oportuno trabalho!), propuseram uma nova redação para esse ponto, no qual se coloca algo como:

“ ... Não constitui ofensa aos direitos autorais ... a reprodução de qualquer tipo de obra, para qualquer pessoa deficiente, através de qualquer meio que seja necessário para tal...”

A intenção é boa, mas fica uma pergunta me incomodando:

Será que as editoras e todo o pessoal que não quer ter o mínimo trabalho para promover coisa nenhuma que não seja o bottom line dos livros de contabilidade deles, não vai utilizar essa redação para criar mais embaraços ainda ao simples ato de entregar um CD com o texto da obra e pedir para assinar uma declaração que esse CD só vai ser utilizado para o cego?

Alô pessoal, Terra chamando! O mundo já está complicado demais! Será que não dava para simplificar e explicitar que é para passar o livro em formato digital para poder imprimir em Braille ou ouvir ele no computador?

4 comentários:

Lucília Giordano disse...

Na qualidade de mãe e companheira de luta e de vida do Marrey, só posso concordar e parabenizar o Marrey pela clareza, objetividade e sagacidade de suas reflexões.
Não vamos desistir nunca desse assunto, então é melhor que as autoridades se preparem e abram seus olhos para ver que a simplicidade e objetividade é o melhor caminho para se atingir a maioria dos objetivos. Lucília Giordano

Unknown disse...

Realmente, seria excelente se for aprovada uma revisão para a LDA, porque existem muitos tabus por parte das editoras com relação ao livro digital, e isso se repete na faculdade na qual estudo.
Eles têm uma biblioteca presencial e eletrônica, mas não existem livros em formato digital nesta, apenas na biblioteca presencial. Não vejo mal algum em disponibilizar livros em meio eletrônico, uma vez que os alunos dependem de sua matrícula e senha para acessar a biblioteca e, acredito que se aprovada esta revisão, pode ser um passo a ser dado por parte também das instituições de ensino superior colocarem à disposição dos estudantes livros em formato digital.

Lucília Giordano disse...

Complementando meu comentário anterior: Na qualidade de mãe de deficiente visual e companheira do Marrey...

Achados&Perdidos disse...

pOi, Lúcia e Marrey.
Muito legal o site. Parabéns pela luta de vocês! Colocarei o link no Achados & Perdidos.
Um abraço pra Ananda.
Tereza